A ‘fonte de renda’ do crime organizado

Nunca o Brasil apreendeu tanta droga, uma conhecida fonte de renda do crime organizado. Mas (ainda) não é suficiente para combater a criminalidade no país. As organizações criminosas que atuam em território brasileiro já ultrapassaram as fronteiras e criaram “filiais” longe daqui, transformando o Brasil em uma grande “matriz” do tráfico de drogas.

No ano passado, houve um aumento de 125% nas apreensões de cocaína no Brasil na comparação com 2020. Segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública, mais de 18 toneladas da droga foram tiradas de circulação. O entorpecente foi avaliado em mais de R$ 600 milhões.

Os dados são do Programa Nacional de Segurança nas Fronteiras e Divisas. Ao longo do ano passado, a intensificação nas fiscalizações resultou em R$ 2 bilhões de prejuízo aos criminosos, incluindo a apreensão de cigarros contrabandeados, barcos e veículos.

Justiça e Segurança Pública é o tema escolhido por Oeste nesta quinta-feira, 11, dentro da série de reportagens “Desafios do Brasil”, que será publicada até o dia 30 de setembro, sempre seguindo a seguinte ordem de temas na semana: segunda-feira (Educação), terça-feira (Economia), quarta-feira (Agro e Meio Ambiente), quinta-feira (Justiça e Segurança Pública) e sexta-feira (Saúde)Veja aqui todas as reportagens da série.

A apreensão de drogas não é apenas um recorde nacional. O Estado de São Paulo também com recorde na apreensão de drogas. Segundo os dados da Secretaria da Segurança Pública, mais de 164 toneladas de entorpecentes foram tirados de circulação em todo o Estado. É o maior número desde 2004.

“Os resultados destas apreensões revelam a constante necessidade de o país buscar a integração em termos de cooperação institucional para conter com mais eficácia este tipo de crime”, explica Luciano Stremel Barros, presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras.

O PCC e o tráfico de drogas

Primeiro Comando da Capital (PCC) aparece como a principal organização criminosa responsável pela movimentação bilionária proveniente do tráfico de drogas no país. Segundo o Ministério Público de São Paulo, a facção arrecada cerca de R$ 1,2 bilhão por ano só com o narcotráfico.

Foi a partir de 2014 que o PCC definiu como atividade principal a exportação de cocaína para a Europa. Para isso, os integrantes da facção passaram a utilizar os portos brasileiros, escondendo as drogas em contêineres nos navios, em meio às cargas lícitas.

Segundo o Grupo de Atuação Especial e de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), naquele ano, o faturamento anual do PCC com o tráfico internacional chegava a R$ 300 milhões. Em 2019, o montante havia quadruplicado com as remessas de cocaína para países europeus.

Em 15 anos, houve um crescimento exponencial da organização criminosa. “Nós estamos falando de uma facção que sobrevive do tráfico internacional de cocaína para a Europa”, disse o promotor do Ministério Público Lincoln Gakiya. Por isso, ele defende que “é preciso focar na questão do financiamento desses grupos criminosos, principalmente, na lavagem de dinheiro”.

É uma rentabilidade fabulosa com um risco muito baixo, diz o promotor Lincoln  Gakiya

A pasta-base de cocaína é comprada em atacado, principalmente, no Peru e na Colômbia, e é beneficiada no Brasil, na região metropolitana de São Paulo. Grande parte dela é exportada para a Europa onde é vendida a € 35 mil (R$ 180 mil) o quilo. “É uma rentabilidade fabulosa com um risco muito baixo”, admite o promotor.

O porto de Santos, no litoral do Estado de São Paulo, tornou-se um polo de apreensão de drogas desde 2013, quando passou de 1,1 tonelada para quase 28 toneladas, em 2019.

Com as ações recorrentes de buscas e apreensões por parte das autoridades policiais, há uma tendência de diminuição do tráfico no porto de Santos. Agora, o porto de Paranaguá, no Paraná, desponta como a rota preferida dos traficantes. A apreensão no porto da região sul do país aumentou cerca de 450% entre 2018 e 2019.

“A mudança de rota é uma estratégia recorrente, para tentar desviar a atenção da polícia. Eles vão tentar, de qualquer jeito, atingir algum porto porque é a única forma da droga ir para a Europa”, observa o pesquisador Paulo Eduardo de Oliveira, do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo.

Mas não é só isso

Hoje, o Brasil é o segundo maior consumidor mundial de cocaína, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional, é o segundo crime com maior número de presos no país. “Para nós é um trabalho de enxugar gelo”, resume um agente da Polícia Federal ouvido por Oeste, mas que prefere manter o anonimato por causa do período eleitoral.

Uma a cada cinco prisões está relacionada com esse tipo de crime. Para combater esse cenário, o governo brasileiro lançou, em 2019, a Nova Política Nacional sobre Drogas que prevê tratamento com apoio terapêutico e diferenciação entre usuários e traficantes. “Isso representou um avanço sem precedentes na condução dessa política, alcançando, de fato, o cidadão que mais dela necessita”, informou a Sociedade Internacional de Prevenção e Tratamento do Uso de Drogas.

A política é baseada na prevenção, na inclusão social e no restabelecimento da saúde por meio da abstinência dos usuários e dependentes químicos, não sendo mais sedimentada na redução de danos. Por meio dela, é previsto também o fortalecimento das comunidades terapêuticas, que recebem incentivo social e financeiro por parte do Governo Federal.

Como combater o tráfico de drogas?

O Brasil tem uma fronteira de mais de 11 mil quilômetros com dez outros países, três deles são Bolívia, Peru e Colômbia (os maiores provedores de cocaína do mundo), segundo o último informe do Escritório das Nações Unidas contra Droga e Crime.

Os especialistas defendem que a melhor estratégia para enfrentar o crime organizado é desarticular a estrutura financeira das quadrilhas por meio do confisco do patrimônio adquirido com o enriquecimento ilícito.

Além de contribuir para a descapitalização e enfraquecimento da criminalidade, o recurso arrecadado é devolvido à sociedade para o financiamento de políticas públicas na área de segurança pública, bem como para o fortalecimento das polícias, ressalta o Secretário Nacional de Políticas sobre Drogas do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Luiz Roberto Beggiora.

deputado federal Capitão Derrite (PL), ex-policial, defende penas mais duras para os traficantes e o fim dos benefícios do sistema penal, como a progressão de regime. “É preciso encarecer o custo do crime no Brasil. Combater o tráfico é necessário porque é da onde a maior parte do dinheiro entra para as facções criminosas”, destaca.

“Para isso, precisamos de uma reforma do sistema de justiça criminal que passa majoritariamente pelo legislativo. É preciso ter uma base boa no Congresso Nacional para que esses parlamentares possam alterar nossa legislação penal, lei de execuções penais, constituição federal, tornando o crime um negócio não tão vantajoso e inviável para os criminosos”, explica o deputado. “Só assim vamos conseguir um avanço contra o crime organizado.”

Para o pesquisador em segurança pública Fernando Teixeira Silva, “no momento atual, se fazem necessárias reformas e mudanças no ensino brasileiro, pois a educação ainda é uma forte arma para combater a propagação do tráfico de drogas”. Em um estudo sobre o combate ao tráfico de drogas, ele afirma que “o embate é longo, mas urgente”.

Fonte Revista Oeste


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