Visão do papa de guerra causada pela Otan gera incômodo na Igreja

A visão do Vaticano sobre o retrato geopolítico de momento sempre é considerada relevante, com capacidade de influenciar cenários, diplomaticamente. Neste momento, o entendimento do papa Francisco sobre a guerra entre Rússia e Ucrânia começa a gerar reações de preocupação, inclusive dentro da Igreja Católica, conforme descreve artigo do Wall Street Journal nesta quinta-feira, 23.

Em foco, principalmente, a postura do pontífice em evitar uma posição clara sobre o confronto, combinada com comentários que carregam crítica ao comportamento do Ocidente — especificamente, sobre a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), mas alcançando indiretamente os Estados Unidos.

Guerra sem “mocinhos e bandidos”

Em conversas com um grupo de jornalistas católicos, o papa disse recentemente que não vê o conflito na Ucrânia como um embate entre “mocinhos e bandidos”. Até hoje, com quatro meses de guerra, o pontífice tem evitado adotar uma posição oficial, preferindo termos abstratos para denunciar a agressão aos ucranianos.

Por trás da postura do papa Francisco está uma combinação de sua cautela em relação a uma ordem mundial dominada pelos EUA e sua relutância em ser visto como aliado do Ocidente em conflitos geopolíticos.

Até certo ponto, a diplomacia imparcial segue as tradições de neutralidade do Vaticano em conflitos internacionais. Alguns dos predecessores de Francisco, como Pio XII e João Paulo II, foram assertivos na condenação ao comunismo durante a Guerra Fria. Outros, no entanto, como João XXIII e Paulo VI, adotaram uma abordagem de compromisso com o bloco soviético.

Nos últimos anos, o papa Francisco tentou alcançar o mundo, mesmo os teóricos adversários do Ocidente. Recentemente, o pontífice buscou uma reaproximação com a China, apesar da repressão de Pequim à religião independente.

A abordagem do papa à Rússia também reflete sua visão geopolítica pessoal, em parte decorrente de sua formação como o primeiro papa latino-americano.

O papa Francisco tem “uma visão multipolar do mundo”, baseada no reconhecimento de que “ninguém neste momento pode pensar em ter hegemonia mundial, nem mesmo os Estados Unidos”, disse Massimo Borghesi, professor de filosofia moral da Universidade de Perugia e autor de três livros sobre o pontífice.

Responsabilidade da Otan?

Em comentários públicos nos últimos meses, o papa sugeriu duas vezes que a invasão da Ucrânia pela Rússia pode ter sido provocada pelo desejo de expansionismo da Otan, aliança militar entre os Estados Unidos e nações europeias.

O arcebispo Sviatoslav Shevchuk, líder da minoria greco-católica da Ucrânia, respondeu no início deste mês que qualquer pessoa que pense tal coisa “ou está nas garras da propaganda russa ou está simplesmente enganando o mundo”.

Em maio, o arcebispo Stanisław Gądecki, chefe da conferência dos bispos poloneses, chamou a política do Vaticano em relação à Rússia de “ingênua e utópica” e um passo atrás de uma postura mais vigilante dos anos João Paulo II.

Massimo Franco, correspondente do jornal italiano Corriere della Sera e autor de três livros sobre o papa, disse que a cautela do pontífice em relação à Otan e aos EUA reflete suas origens argentinas. “A América Latina é um continente colonizado pelos Estados Unidos há anos e, portanto, ele tende a vê-lo como o país do sistema militar e do capitalismo agressivo”, disse.

Algumas das declarações recentes do papa Francisco sobre a guerra na Ucrânia foram improvisadas, causando preocupação no Vaticano sobre sua imprevisibilidade. Um alto funcionário da Igreja disse que a franqueza e a espontaneidade do pontífice são partes intrínsecas de seu apelo popular, mas que podem ser uma desvantagem diplomática.

“Ele está criticando a Otan e, implicitamente, os Estados Unidos, mas na verdade o grande problema para o papa é a recusa, tanto da Rússia quanto da China, em retribuir seu desejo de diálogo”, analisa o jornalista Massimo Franco.

Fonte Revista Oeste

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