Família que manteve Madalena Gordiano em situação análoga à escravidão é denunciada pelo MPF em Patos de Minas

O Ministério Público Federal (MPF) denunciou
quatro pessoas da família Milagres Rigueira pelo
crime de trabalho escravo em Patos de Minas. Eles são acusados de manter Madalena Gordiano, resgatada em novembro de 2020, em situação análoga à
escravidão por quase 40 anos.
A denúncia do MPF é contra Dalton
César Milagres Rigueira, a esposa e as duas filhas. Além do
crime de trabalho escravo, os acusados também irão responder por violência
doméstica e três deles por roubo.
O
resgate de Madalena ocorreu em Patos de Minas, após 38 anos em
condição análoga à escravidão foi mostrado no Fantástico. Ela trabalhou desde os 8 como diarista, sem
registros e outros direitos. Desde então, ela se transformou em um dos rostos
mais conhecidos na luta contra o trabalho escravo doméstico no Brasil.
A denúncia do MPF considera os 15 anos no qual ela
trabalhou diretamente para Dalton e a família dele. Porém, antes desse período
ela também trabalhou para a mãe dele, em São Miguel do Anta, no Sudeste de MG.
De acordo com o MPF, Madalena começou a trabalhar
para a família dos 4 denunciados em 2005, em Viçosa, na Zona da Mata de MG.
Porém, em 2006, foi levada para Patos de Minas contra
a vontade, perdendo o contato com a própria família até que fosse resgatada.
Os pontos da denúncia do órgão que configuram o
fato dela ter sido mantida em situação análoga à escravidão por 15 anos são os
fatos de durante esse tempo:
Nunca ter recebido qualquer pagamento pelos
serviços;
Ser submetida a jornadas exaustivas de trabalho;
Ter negado direitos trabalhistas como férias,
descanso semanal remunerado e intervalo entre as jornadas;
Ter negado direitos fundamentais como alimentação,
saúde, higiene, lazer e educação.
Outro ponto que consta na denúncia é de que os
acusados se apropriaram de todos os recursos previdenciários que a vítima
poderia receber
Conforme
o MPF, a jornada de trabalho dela começava por volta das 2h e terminava às 20h
de forma contínua e sem pausas. No período, a família repassava
à Madalena uma quantia de R$ 100 para que ela pudesse comprar roupas, produtos
de higiene e remédios.
Sobre o espaço em que ela vivia, na denúncia consta
que era “um pequeno quarto, sem banheiro e sem janelas, onde dividia
o espaço com um guarda-roupa que, além de servir para acondicionar o pouco
vestuário da vítima, era utilizado como despensa para panos de chão, baldes e
outros produtos destinados à manutenção da casa”.
O Ministério Público ainda pontua que a alimentação
de Madalena era insuficiente e ela passava fome, tendo que pedir comida para os
vizinhos.
Em relação à questão da violência doméstica, os
apontamentos do MPF são de que, mesmo vivendo na casa, ela não era tratada como
membro da família, sendo tratada com desprezo “em
estado permanente de negligência afetiva”.
O MPF aponta que essas condições desumanas causaram
na vítima danos físicos e mentais, como dor de coluna, irradiação para as pernas,
lombalgia e outros transtornos, como: ansiedade, tristeza, depressão e
dificuldades para dormir.
Quanto à denúncia de roubo, a situação tem relação
a um ocorrido no ano de 2003, quando Madalena era casada com o tio de Dalton
Rigueira. Na época do resgate, o Fantástico mostrou que ambos nunca chegaram a
morar juntos.
Porém, com o casamento, ela teve direito à pensão
por morte, no INSS e pensão por morte militar. Segundo o órgão, ela abriu uma
conta bancária, mas a família pegou esse cartão e retirava o dinheiro da conta
de Madalena.
O MPF informou que entre 2003 e 2020, o casal
chegou a subtrair mais de R$ 1 milhão de Madalena, que ela teria direito dos
benefícios previdenciários
Em nota, o advogado Brian Epstein Campos,
responsável pela defesa da família Rigueira disse que:
“A família está ciente do ajuizamento da ação. A
defesa explicativa, séria e consistente será apresentada nos próximos dias.
Tudo será esclarecido e cumprido o devido processo legal, tal qual se cumpriu
na Ação Civil Pública que tramitou perante a Justiça do Trabalho”.
Se
condenados pelos crimes de trabalho escravo e violência doméstica, os acusados
poderão pegar penas que, somadas, variam de 2 anos e 3 meses a 11 anos de
prisão. Quanto ao crime de roubo, ela tem pena prevista de 5 anos e 4 meses a
15 anos de prisão.
Após a liberdade, Madalena tem experimentado
diversas sensações, que nunca tinha vivido anteriormente. Foi para a
praia pela primeira vez e até retomou os estudos. Os cabelos viraram símbolo de
uma vaidade, que havia sido reprimida por quase quatro décadas.
“Nunca fui feliz assim. Antes eu era triste. Muito
triste. Hoje eu sinto que estou bem. Coração limpo. Estou libertada. Estou
livre”, contou ela ao Fantástico em julho de 2021.
Em julho de 2021, também foi feito um acordo em
relação aos termos trabalhistas entre ela e Dalton Rigueira. No
dia 22 deste mês, Madalena também foi homenageada na
Câmara Municipal de Uberlândia com a Comenda Zumbi dos Palmares,
entregue a pessoas que tiveram destaque em ações contra a discriminação racial.
Fonte G1