Fluente em 4 línguas, iraquiano de 88 anos oferece aulas gratuitas de idiomas em Curitiba: 'Por que não repassar para quem precisa?'

Uma pasta escolar verde, um anúncio e muita disposição. Em pé, no Centro de Curitiba, o iraquiano Hikmat Daoud Hanna oferece a quem se interessar um pouco do que aprendeu nos seus 88 anos de vida. Com uma plaquinha improvisada, o senhor conhecido como "Seo Henrique" oferece aulas de idiomas gratuitas.

 

Nascido em Bagdá, capital do Iraque, Henrique sempre teve o hábito de ler. Na juventude, se formou em Filosofia e, nos anos seguintes, foi estudando e aperfeiçoando os mais variados idiomas.

 

Atualmente, ele é fluente em árabe, inglês, italiano e português, idiomas que ele dá aulas. Outras línguas, como francês, espanhol, latim, aramaico e esperanto, ele diz saber se comunicar, mas não os domina em alto nível.

 

"Como eu sou aposentado, não sou rico o bastante, se alguém quiser me recompensar pagando alguma coisa, nem que seja simbólica, eu aceito. Mas eu não faço pressão, nem exigência de receber alguma coisa em troca. Eu apenas repasso o que eu tenho para quem precisa", explicou Henrique.

 

Apesar de ter morado em diversos locais do mundo e do Brasil, foi na capital paranaense que, segundo ele, encontrou o verdadeiro lar e teve a vida transformada depois de uma fotografia.

 

A fotógrafa Francielle Machoski estava, no último domingo de fevereiro, andando pela Feira do Largo da Ordem quando se deparou com o senhor segurando uma placa escrito: "reforço de inglês - aulas gratuitas".

 

Curiosa sobre o que motivou o senhor a seguir trabalhando aos 88 anos, ela resolveu conversar com ele.

Francielle conta ter achado que ele oferecia uma "amostra grátis do conteúdo" e depois cobrava para a pessoa concluir o "curso". Mas, nada disso. As aulas e até mesmo o deslocamento até a casa do aluno não são cobrados.

 

"O que eu vou fazer com esse inglês armazenado se, daqui a pouco eu posso morrer e esse talento vai morrer comigo? Por que então não repassar para alguém que está precisando e não pode pagar? [...] Onde eu acho que tem necessidade, espaço aberto para eu chegar e lecionar, eu vou".

Depois da conversa com Henrique, Francielle o fotografou e fez uma publicação contando brevemente a história dele nas redes sociais. Em poucos minutos, a postagem viralizou.

 

Diante da repercussão, ela criou uma página no Instagram para o professor. Até a noite de segunda-feira (14), ele estava com mais de 10 mil seguidores, com apenas três publicações.

 

Em um dos posts, a cantora Vanessa da Mata comentou o parabenizando: "O senhor é maravilhoso. Parabéns pela atitude! Poderia marcar aqui toda semana aulas ao vivo pras pessoas. O que acha?".

 

"Isso aí foi uma grande surpresa e, ao mesmo tempo, motivo de muita alegria porque eu não pensei que uma iniciativa tão simples, individual, pudesse ter tanta repercussão, não somente em Curitiba, mas também fora, pelo que eu senti", comentou Henrique.

 

Henrique confessa que, apesar de considerar entender muito sobre várias coisas, a tecnologia não é o forte dele. Mesmo assim, fica contente em ler as mensagens das pessoas e, também, com tudo o que tem acontecido em sua vida desde a publicação.

 

Método

Para as aulas que divulga no Centro da cidade, o material é simples: um caderninho. O resto, ele explica que vem do método que desenvolveu para ensinar, trabalhando gramática e conversação.

 

"Eu dou a base da gramatica em inglês e depois começo a formar frases simples no começo, pra depois formar frases mais complexas de conversação. Um aluno recebendo uma aula semanal de uma hora, em três meses, no máximo quatro, ele tá falando inglês. Desde que ele se aplique, porque se ele só receber a aula e esquecer, se preocupar com suas tarefas do dia a dia, aí não tem como".

 

'O Brasil ganhou um vovô'

 

"Eu adotei ele e ele me adotou. A gente precisava desse vovozinho fofo e ele precisava do carinho de vocês".

Francielle conta que, desde que encontrou Henrique, se sentiu inspirada e motivada a ajudá-lo. Para ela, com a repercussão da história, o Brasil "ganhou um vovô".

 

"Ele vive de uma maneira simples, com o mínimo, e o que ele faz é realmente para ajudar os outros [...] Ele tem o desejo de ter um lugar próprio, para receber amigos e para receber os alunos [...] Ele também quer publicar os os materiais que fez".

 

Nas primeiras conversas com a fotógrafa, Henrique contou que escreveu dois dicionários: um do português para o árabe e outro do italiano para o árabe, ambos manuscritos. Ele compartilhou com a nova amiga, ainda, que escreveu um livro de autoajuda.

Francielle contou que, há poucos dias, editoras demonstraram interesse em avaliar os materiais de Henrique.

 

"Quando eu cheguei ao Brasil eu precisava aprender o português, porque não falava uma palavra, então procurei nas livrarias um dicionário português-árabe, mas não havia. Daí surgiu a ideia de elaborar um dicionário português-árabe, foi o que eu fiz. Esse dicionário já está pronto, tem aproximadamente 9 mil verbetes que vai do A ao Z", detalha Henrique.

 

Trajetória

 

O iraquiano contou ter chegado ao Brasil 1973. Nestes quase 50 anos em terras tupiniquins, sempre esteve próximo da educação e de questões sociais.

Ele disse que desde 2000, lecionou em três colégios estaduais, quando morou na Bahia; também deu aulas voluntárias, voltadas para línguas, em associações e igrejas.

 

"Houve sempre muita aceitação, houve muitos alunos cadastrados. Nem todos chegaram até ao fim porque no Brasil é um pouco difícil começar uma coisa e levar até o final, muitos ficaram no meio do caminho. Mas muitos chegaram até o final, fizeram o exame final e passaram".

 

Além das aulas de línguas, Henrique compartilha com os alunos uma bagagem de muitas vivências. Ele disse que, durante a vida, passou por cinco continentes e visitou, entre eles, mais de 30 cidades.

"Depois de naturalizado brasileiro, viajei a convite de primos meus que moram na Califórnia. Eles queriam que eu ficasse nos Estados Unidos. E eu podia até ficar, mas não aceitei. Foi uma decisão que até hoje eu agradeço a Deus, não me arrependo de ter ficado porque eu gosto muito, mas muito mesmo do Brasil".

 

Atualmente, Henrique mora de aluguel no bairro Fazendinha, em Curitiba. Depois que a história dele viralizou, milhares de pessoas se mobilizaram na internet para, além de dar destaque ao trabalho que desenvolve, ajudá-lo financeiramente.

"Por enquanto, me satisfaço com o que eu tenho, que não é pouco, e ajudar os outros, que é importante, muito importante".

Fonte G1

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