Talibã no poder: afegão que vive em Brasília relembra rotina de regras e proibições impostas por extremistas

O comerciante afegão Muhammad Ishaq, de 32 anos, se mudou para o Brasil em 2017 e, pelo noticiário, tem acompanhado o drama de familiares e amigos que vivem no Afeganistão. Esta semana, o grupo insurgente Talibã voltou à capital, Cabul, 20 anos após ser expulso pelas tropas dos Estados Unidos. A retomada da cidade ocorre em meio à retirada dos militares americanos do país.

A infância e parte da juventude de Muhammad foram divididas entre a vida no Afeganistão e no Paquistão, países vizinhos. A família do comerciante vive hoje em Jalalabad, cidade no leste do país, também ocupada pelos extremistas.

Ao G1, o imigrante afegão disse esperar que a família esteja segura, mas preferiu não dar detalhes sobre a situação dos familiares. Ele também explicou as regras e proibições impostas pelo regime quando o Talibã controlava o país, de 1996 a 2001. À época, quando o grupo deixou o poder, Muhammad tinha 12 anos.

"Eles costumavam forçar as pessoas para praticar a religião. Por exemplo, todos deveriam manter a barba, pois eles [extremistas] diziam que manter a barba é a prática do profeta Maomé. Ninguém podia tocar música em carros, aniversários, festas e casamentos", conta.

"Se vissem alguém ouvindo músicas em carros, quebravam as fitas cassetes e puniam o motorista com tapa ou espancamento. Se você não tivesse barba, eles te batiam. Se você orasse em casa, eles batiam em você e te forçavam a rezar novamente na mesquita", conta Muhammad .

Além disso, o imigrante afegão explica que os extremistas "usam as regras do Islã em favor próprio".

"Quando você ia ao escritório de passaportes para obter seu documento, eles faziam perguntas sobre quantas páginas ou capítulos o Alcorão tem. Se você tivesse respondido errado a seus religiosos, então você não era elegível para obter seu passaporte ou outro documento."

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Mesmo com as imposições, o comerciante lembra que, na infância, percebia que, à época, "havia paz no país", mas, hoje, ressalta que não existia "nenhum desenvolvimento ou semelhança com outro país desenvolvido".

"Não tinha nenhuma escola ou educação moderna ou científica [no Afeganistão], e tudo era religioso e à força."

Inflação, punições e 'lei da selva'

Em tempos de Talibã, Muhammad lembra das dificuldades na economia e infraestrutura do país. Em Jalalabad, região onde a família vive, era comum ver pessoas carregando "um saco plástico cheio de moeda afegã para comprar um quilo de tomate".

"As estradas eram muito ruins, que você poderia levar dias para ir de um lugar a outro, e agora você pode alcançar a mesma distância em horas", conta.

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Em relação às regras e proibições impostas, o comerciante explica ainda que, à época, entre a década de 1990 e o início do ano 2000, "havia uma punição severa para cada crime que uma pessoa pudesse cometer" e, portanto, segundo ele, por causa das restrições, a taxa de crimes era baixa.

Apesar disso, de acordo com Muhammad, a liberdade ainda era o maior desejo do povo afegão.

"As pessoas querem liberdade e já experimentaram o governo uma vez [do Talibã] e sabiam que era uma lei da selva e tudo era pela força."

E as mulheres?

Em relação às mulheres, o comerciante conta que elas eram "tratadas à força e não podiam trabalhar, dirigir ou estudar". No domingo (15), horas após o Talibã tomar o poder em Cabul, algumas imagens de publicidade com fotos de mulheres começaram a ser retiradas das fachadas das lojas.

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De acordo com a agência para refugiados da Organização das Nações Unidas (ONU), a maioria das pessoas do Afeganistão que precisou deixar suas casas por causa do avanço do Talibã é de mulheres e crianças, cerca de 80%.

"Há medo de que o Talibã volte a impor leis baseadas na interpretação que o grupo faz do islamismo, pela qual mulheres quase não têm direitos", disse Muhammad.

Fuga em massa

Nesta segunda (16), um vídeo que circula nas redes sociais (veja acima) mostrou o momento exato em que milhares de afegãos desesperados invadiram o aeroporto de Cabul. Os moradores tentavam embarcar em um cargueiro militar norte-americano.

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Muitos se agarraram onde conseguiram, do lado de fora, e, quando a aeronave decolou, imagens das redes sociais mostram o que seriam corpos despencando enquanto a aeronave ganhava altura. A agência de notícias Associated Press afirmou que pelo menos sete pessoas morreram no aeroporto, algumas delas após caírem do avião.

"Eles [Talibã] voltaram à força [...], e as pessoas não aceitam a força e a mira de armas. Veem que eles não são elegíveis para fornecer saúde e outros serviços básicos às pessoas. Então, estão fugindo do país e irão para onde suas necessidades básicas são satisfeitas e pelo menos tratados com o respeito que merecem", finalizou Muhammad.

Fonte: G1

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