Ministério da Saúde derruba orientação do governo Bolsonaro que fixava prazo para aborto legal
O Ministério da Saúde publicou uma nota técnica na
quarta-feira (28) derrubando uma orientação do governo Bolsonaro de 2022 que
fixava prazo para o aborto legal.
👉 Com isso, vale o que
está no Código Penal, em vigor desde 1940, que não
estabelece qualquer limite de tempo para fazer aborto nas condições previstas
em lei.
A decisão
do ministério não amplia as situações em que é permitido o aborto legal. Ela é direcionada apenas aos
casos em que não é crime fazer aborto. Pela legislação em vigor, o aborto é
liberado quando:
·
a
gravidez colocar em risco a vida da gestante;
·
a
gravidez for resultado de estupro.
Além disso, por decisão do
Supremo Tribunal Federal (STF), também não é crime fazer aborto em caso de anencefalia
fetal, ou seja, má formação do cérebro do feto - e tampouco há prazo máximo
estabelecido para isso.
Se o legislador brasileiro ao permitir o aborto,
nas hipóteses descritas no artigo 128 não impôs qualquer limite temporal para a
sua realização, não cabe aos serviços de saúde limitar a interpretação desse
direito, especialmente quando a própria literatura/ciência internacional não
estabelece limite.
A pasta afirma ainda que, por
essa razão, cabe aos serviços de saúde o "dever de
garantir esse direito de forma segura, íntegra e digna oferecendo devido
cuidado às pessoas que buscam o acesso a esses serviços" e que não pode ser imposta
qualquer limitação, senão as que estiverem previstas pela "Constituição,
pela lei, por decisões judiciais e orientações científicas internacionalmente
reconhecidas".
O documento é assinado pelo
secretário de Atenção Primária à Saúde, Felipe Proenço de Oliveira, e pelo
secretário de Atenção Especializada à Saúde, Helvécio Miranda Magalhães Junior.
Orientação
anterior
➡️ A recomendação do governo Bolsonaro era a de que o aborto
legal fosse feito até 21 semanas e 6 dias de gestação. O argumento era que, a partir
daí, haveria "viabilidade do feto" de sobreviver e não seria mais um
aborto, mas parto prematuro.
Essa orientação criou situações
como a da menina de Santa Catarina de 11 anos estuprada que descobriu que
estava grávida com 22 semanas. Inicialmente, ela foi impedida
de fazer o aborto.
Na nota publicada nesta quarta, o
Ministério da Saúde ressalta, no entanto, que "a viabilidade é um conceito
dinâmico/mutável" e que a interpretação pode variar "de acordo com as
características individuais e regionais", o que torna incompatível a
fixação de um prazo certo inicial e/ou final para se garantir o direito ao
aborto legal.
A pasta afirma ainda que obrigar
a gestante a manter a gravidez mesmo tendo direito ao aborto legal
"configura ato de tortura/violência física e/ou psicológica, tratamento
desumano e/ou degradante, sobretudo às vítimas de violência sexual".
O documento também anulou a cartilha "Atenção Técnica para Prevenção, Avaliação e Conduta
nos Casos de Abortamento", que dizia que "todo aborto é crime" e defendia que houvesse investigação
policial.
Vale lembrar que a gravidez
decorrente de estupro engloba todos os casos de violência sexual, ou seja,
qualquer situação em que um ato sexual não foi consentido, mesmo que não ocorra
agressão. Isso inclui, por exemplo, relações sexuais nas quais o parceiro
retira o preservativo sem a concordância da mulher.
Direitos
reprodutivos
Referência nas discussões sobre
direitos reprodutivos, a antropóloga e professora na Universidade de Brasília
Débora Diniz diz que a medida do governo é o reconhecimento da "ciência
médica básica".
Ela pondera ainda que, "dada
a dificuldade de se tratar o tema do cuidado em interrupção da gestação como
uma política de saúde baseada evidências, pois é sequestrada por ideologias
fanáticas, o documento é uma tentativa de resumir práticas, modelos e
procedimentos de cuidado".
Espero que o documento esclareça e facilite a
compreensão de que uma menina que necessita de um aborto após violência sexual
está em risco a saúde, com graves impactos a sua saúde mental.
Ela acrescenta que, "em uma ordem social em que o aborto
fosse um cuidado de saúde (como qualquer outro) em particular para meninas em
risco de vida após um estupro, esta nota técnica sequer seria necessária".
Fonte G1